É possível reproduzir um produto biológico (inoculante/biodefensivo) comercial na fazenda?
Prof. Dr. Universidade do Estado da Bahia – Campus VIII
Coordenador do Laboratório de Ecologia e Biotecnologia Microbiana do
Semiárido
O segmento de produtos biológicos para uso na agricultura tem
crescido ano após ano e representado um importante impacto na economia do setor agrícola.
Acompanhado deste crescimento, do
ponto de vista de consumo e adoção da técnica, têm surgido tecnologias que
recuperam a saúde dos sistemas e consequentemente aumentam a produtividade
agrícola. Produtos com diversas funcionalidades como defensivos biológicos e o grupo
dos classificados como inoculantes, que muitas vezes são subdivididos entre
bioestimulantes, biofertilizantes, condicionadores de solos, compõem um amplo
portfólio disponível para utilização.
Com a grande oferta destes produtos algumas soluções “mágicas” têm sido oferecidas também aos produtores.
– Produza você seu próprio inoculante e/ou biodefensivo! A frase que mais escutamos e lemos em matérias e vídeos que apresentam produtos biológicos comerciais já consolidados no segmento, com a promessa de que é possível reproduzir nas condições da propriedade rural um produto biológico comercial.
Mas será que isso é possível? Será que existe uma solução mágica para produção destes produtos? E se sim, por que a indústria do segmento investe tantos recursos e tempo para produzi-los e comercializar?
Quais os princípios para produção dos biológicos comerciais?
Vamos considerar alguns aspectos importantes.
O princípio por trás de um
produto a base de microrganismos é a sua capacidade de crescimento em
biorreatores a partir do fornecimento de nutrientes e de outras condições
ideais para o seu desenvolvimento, como pH, temperatura e oxigênio por exemplo.
Após este crescimento, ou seja, após o final da fermentação, ainda não temos um
produto biológico comercial, temos apenas o seu ingrediente ativo. Um produto
que vai para o campo, que será exposto a diferentes condições ambientais, desde
a sua produção até o armazenamento nos galpões das propriedades rurais, precisa
ser protegido, até porque, neste caso, se trata de uma tecnologia viva, onde
fatores externos podem e irão comprometer a viabilidade do produto.
Então, após a fermentação estes
microrganismos são misturados a diversos componentes que irão garantir a sua
estabilidade (garantindo maior tempo de prateleira, maior validade), protetores
como protetores solares, protetores térmicos e alguns aditivos que podem
melhorar sua performance em campo. São estes componentes que de maneira geral
irão garantir a qualidade e segurança do produto comercial, o que chamamos de
formulação do produto.
Quais os princípios para produção dos biológicos de forma on farm?
Na produção on farm, de
maneira geral, o microrganismo multiplicado é utilizado diretamente, sem que haja
formulação. Ou seja, todos os benefícios entregues por uma boa formulação não
estarão presentes neste produto fermentado. Aliado a falta de formulação ainda
temos a possibilidade de estar multiplicado diversos patógenos de humanos
(Bocatti et al., 2022; Lana et al., 2022; Santos; Dinnas; Feitoza, 2020;
Abrunhosa, 2019; Lana et al., 2019; Valicente et al., 2018) e de fitopatógenos.
Estes patógenos, em especial os de humanos representam um problema sério
principalmente quando utilizamos o bioinsumo em culturas como hortifruti (HF),
que na grande maioria dos casos são consumidos in natura, sem um
processamento que reduza a incidência de determinados patógenos. Além destes
problemas, a falta do microrganismo alvo pode gerar para o produtor a falta de
previsibilidade uma vez que não se sabe ao certo qual grupo de microrganismo
pode estar sendo incorporado na sua lavoura.
É possível a produção de
microrganismos on farm? Sim é possível. Desde que sejam seguidos os
critérios mínimos de boas práticas de produção e feito um investimento
relativamente alto, em sistemas eficientes, insumos de qualidade e profissional
qualificado.
É possível reproduzir um produto comercial de forma on farm?
Não! Este ponto é indiscutível. A tecnologia de
formulação embarcada nos produtos comerciais não poderá ser reproduzida em um
sistema de multiplicação “caseiro”. Nestes casos apenas o microrganismo, quando
em condições adequadas, será produzido. Mas o produto comercial é muito mais do
que apenas o ingrediente ativo. Na prática, diante de tudo que apresentamos, um
produto comercial não poderá ser reproduzido sem o aporte da produção
industrial.
Então temos que ter muito cuidado
com soluções milagrosas que nos são apresentadas todos os dias. O conhecimento
técnico adequado auxilia na melhor tomada de decisão.
A nova grande revolução do agro
é micro!
REFERENCIAS
ABRUNHOSA, Letícia Santos. Avaliação da contaminação de meios de cultura utilizados para produção "on farm" de bioinseticida. 2019. 48 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Farmácia) – Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, Brasília, 2019.
BOCATTI, C. R.; FERREIRA, E.; RIBEIRO, R. A.; DE OLIVEIRA CHUEIRE, L. M.; DELAMUTA, J. R. M.; KOBAYASHI, R. K. T.; HUNGRIA, M.; NOGUEIRA, M. A. Microbiological quality analysis of inoculants based on Bradyrhizobium spp. and Azospirillum brasilense produced “on farm” reveals high contamination with non-target microorganisms. Brazilian Journal of Microbiology, v. 53, n. 1, p. 267–280, mar. 2022. DOI: 10.1007/s42770-021-00649-2. Acesso em: 20 mar. 2023.
LANA, U. G. de P.; OLIVEIRA-PAIVA, C. A.; VILELA, A. E.; GOMES, E. A.; PIRES, V. L. M.; SOUSA, S. M. de; VALICENTE, F. H. Avaliação da qualidade de inoculates à base de Bacillus para promoção de crescimento de plantas produzidos em sistema on farm. Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, p. 27, 2022. Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento 238). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/doc/1143636/1/Boletim-238-Avaliacao-da-qualidade-de-inoculantes-a-base-de-Bacillus-para-promocao-de-crescimento-de-plantas.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
LANA, U. G. P; TAVARES, A. N. G.; AGUIAR, F. M.; GOMES, E. A.; VALICENTE, F. H. Avaliação da qualidade de biopesticidas à base de Bacillus thuringiensis produzidos em sistema “on farm”. Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, p. 21, 2019. (Boletim de Pesquisa e Desenvolvimento 191). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/206791/1/bol-191.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
SANTOS, A. F. de J.; DINNAS, S. S. E.; FEITOZA, A. F. A. Qualidade microbiológica de bioprodutos comerciais multiplicados on farm no Vale do São Francisco: dados preliminares. Enciclopédia Biosfera, v. 17, n. 34, 2020. Disponível em: https://conhecer.org.br/ojs/index.php/biosfera/article/view/2092. Acesso em: 20 mar. 2023.
VALICENTE, F. H.; LANA, U. G. P.; PEREIRA, A. C. P.; MARTINS, J. L. A.; TAVARES, A. N. G. Riscos à produção de biopesticida à base de Bacillus thuringiensis. Embrapa Milho e Sorgo, Sete Lagoas, MG, p. 20, 2018. (Circular Técnica 239). Disponível em: https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/179581/1/circ-239.pdf. Acesso em: 20 mar. 2023.
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